A Fórmula
E por aí vai esse processo de coar e engolir. Coar e engolir. Coar e engolir (…). As máscaras da hipocrisia tapam para que os outros não vejam os seus próprios erros. Cobram para não serem cobrados. Requerem para não serem requeridos. Acusam para não serem acusados. Essa é a fórmula da hipocrisia: coar mosquitos e engolir camelos. Nas mãos possuem um pequeno coador que investiga os erros dos outros. No estômago, milhares de camelos, frutos das suas faltas pessoais. O coador filtra os mínimos pecados alheios. A garganta, que é o coração, observa a passagem de uma manada dos seus pecados.
Como atores profissionais têm a capacidade de interpretar, fingir, enganar e até chorar se necessário. As máscaras demonstram homens ideais e mulheres perfeitas. Cuja aparência é digna de prêmio de integridade. Porém, chega o momento em que o camelo “entala” nas gargantas. A máscara é removida, quando não estilhaçada. Vislumbra-se, então, o ser humano na sua essência: Arrogância, infidelidade, mentira.
Fábula grega em dois atos.Personagens: o Gafanhoto estressado e a Aranha bem-intencionada.
Cena um: O Gafanhoto tenta convencer a Aranha de que um colega de trabalho dos dois, o Camaleão, é um hipócrita de carteirinha.
- Esse Camaleão é um fingido, Aranha. Sempre mudando de cor conforme a ocasião.
- Mas essa não seria só a natureza dele, Gafanhoto? Ele não foi criado desse jeito?
- Nada! Antigamente, ele fazia o mesmo que nós, dava duro para ganhar a vida. Depois, virou esse artista em tempo integral, sempre escondido atrás de disfarces e artimanhas.
- Mas por que ele faria isso?
- Para tirar proveito da situação. Ele fica ali, na moita, com aquela cara inofensiva, mas, na primeira oportunidade, abocanha os descuidados.
- Puxa, é verdade. Eu que passo horas tecendo a minha teia, no maior capricho…
- E eu, que fico pulando de um lado para outro sem parar? É por isso que vivo estressado. Se me distraio, o Camaleão solta a língua e me pega.
- É mesmo. Se você não me abre os oito olhos, eu nunca teria pensado nisso.
- Por que você é singela e bem-intencionada. Sabe como chama o que o Camaleão está fazendo? Competição desleal no local de trabalho!
- Faz sentido. Você é um sábio, Gafanhoto.
- Obrigado, Aranha. Mas o ponto é que não podemos, nunca, confiar no Camaleão.
- Será que não haveria um jeito de neutralizá-lo?
- Bom, para nosso benefício mútuo, eu acho que tenho um plano infalível.
- Tem? – Perguntou o gafanhoto.
- Tenho. Escute.
Cena dois: o Gafanhoto se aproxima para escutar o plano da aranha. E se enrosca na teia. Imediatamente, ela o pica e começa a embrulhá-lo para o almoço.
- O que você está fazendo, Aranha? Nós não somos colegas e parceiros?
- Não leve a mal, meu caro Gafanhoto, mas essa é a lei aqui da selva: boa intenção é uma coisa e prioridade pessoal é outra…
O mundo é dos hipócritas!
Essa fábula faz-me lembrar dos hipócritas. Eles estão por todas as partes do globo. Nesse momento eles podem “devorando gafanhotos”; dirigindo veículos; fazendo comícios; escrevendo livros; administrando empresas; ou, ainda, quem sabe, lendo este livro (Cada um julgue-se a si mesmo).
Na maioria das vezes ela tenta se esconder. A discrição, aliás, é uma de suas características marcantes, ao lado da falta de vergonha e da esperteza. Basta, porém, somente uma frase ou um ato para ela surgir. Com aparência de quem roubou o doce de uma criança ou empurrou um bêbado ladeira abaixo, ela surge com as “mãos sujas” dizendo: “não fiz nada de errado!”.
Tomás de Aquino também deixou a sua concepção. Para ele a hipocrisia, ou simulação “consiste em mentir por atos”, como um pessoa que finge ter boas intenções ao agir de determinada maneira, quando na realidade suas intenções são maculadas. Geralmente, as ações são o indicativo das intenções de um indivíduo. Não é assim para o hipócrita, que pela prática de boas obras, genericamente atinentes ao serviço de Deus, visa, agradar não Ele, mas aos homens, [simulando] uma intenção reta que não tem. A hipocrisia, disse Tomás de Aquino, “é um mal complexo, pois consiste em falta de santidade, combinada a uma simulação de santidade”.
Ainda, o filósofo alemão G. W. F. Hegel aponta três momentos básicos na hipocrisia. O primeiro deles é o conhecimento da lei moral, ou o que chama de “o universal verdadeiro”, quer esse conhecimento tome a forma de um simples senso do dever ou de um conhecimento mais profundo do que a lei moral implica. Em segundo lugar se têm a vontade dou escolha que se opõe a este universal. E terceiro, o hipócrita é ciente deste conflito. Ou seja: põe a vontade consciente, é o seu querer definido como mal.
Após analisar as definições apresentados por esse pensadores, Spiegel conclui que a “hipocrisia não é fácil de ser analisada. Enquanto existe um consenso entre os pensadores mais importantes de que a hipocrisia é caracterizada por um tipo de conflito ou discrepância envolvendo o comportamento humano, um número ainda enorme de nuanças precisa ainda ser esclarecido”.
Nesse sentido, então, Spiegel continua sua pesquisa rumo aos fundamentos da hipocrisia, compulsando escritores renomados juntamente com as verdades da Bíblia ele consegue sintetizar brilhantemente o real significado desse “vício da aparência”.
Em suma, hipócrita é aquele que age de maneira inconsistente com suas convicções, palavras e até mesmo ações. Um caso proposto por Spiegel, à titulo de exemplo, em que Boris está se candidatando ao cargo de representante de vendas numa companhia de comida para cães. É requerido de todos os candidatos um diploma de nível superior, o qual, infelizmente, Boris ainda não possui. Mas já que ele é qualificado em todos os outros requisitos e está a algumas horas de conseguir seu diploma, Boris então tanto na sua entrevista de emprego como no seu currículo, testifica possuir um diploma de bacharel.
Notas: AQUINO, Tomás de, Apud, SPIEGEL, James S.: Hipocrisia – problemas morais e outros vícios. Tradução Luiz Felipe Coimbra Ribeiro. Textus, Rio de Janeiro; 2001, pag. 22.
HEGEL, G. W. F.; Apud, SPIEGEL, James S.: Hipocrisia – problemas morais e outros vícios. Tradução Luiz Felipe Coimbra Ribeiro. Textus, Rio de Janeiro; 2001, pag. 22.
SPIEGEL, James S.: Hipocrisia – problemas morais e outros vícios. Tradução Luiz Felipe Coimbra Ribeiro. Textus, Rio de Janeiro; 2001, pag. 25.
http://comoviveremos.com/2007/09/24
Grande Dieguito!
ResponderExcluirAdorei a frase "coar mosquitos e engolir camelos"... muito interessante e se aplica a muitas pessoas.
Não conhecia a fábula da aranha, gafanhoto e camaleão... achei muito interessante. Tem muita aranha neste mundo. E vejo que, as vezes, ela nem captura o gafanhoto, mas faz vários gafanhotos detonarem o pobre camaleão (que nem sabia da história), pois ele é que era a sua refeição. :-) rs
Excelente texto meu amigo.
Forte abraço, Fernandez.
Olá Diego,
ResponderExcluirGostei muito desta leitura abrangente sobre diversas definições de hipocrisia. Para mim continua a ser característica de quem quer enganar deliberadamente e com propósitos bom definidos.
Como na lenda da aranha e do gafanhoto, um hipócrita também costuma ser um maledicente e um caluniador nato, com isso desviando a atenção dos seus verdadeiros objectivos.
Luísa
O hipócrita é antes de tudo calculista. Ele observa bem a presa, porque o hipócrita é bom de psicologia, ele saca quem é boa gente, que geralmente é quem vive desarmado, e fica magicando o bote. A pior coisa que pode acontecer é topar com este lixo social por aí. É fria na certa. E a gente nem precisa ter contato direto. Eles tanto podem agir descaradamente e ainda sair com pose, deixando o outro coitado com a má fama, como agir na moita, manipulando gente mas surgindo, sempre, com aquela cara de boa gente. Pra mim gente que não tem emoções normais, que não tem empatia com o outro, é doente, psicopata social. Tenho indicado em vários comentários o livro "Mentes perigosas, o psicopata mora ao lado". E gente sempre tem um psicopata perto de nós, seja como vizinho, parente, na fila de supermercado, atentos aos seus deslizes, desde esquecimento de objetos até ao que vc fala para te colocar numa saia justa (seja por diversão ou por algum interesse escuso).
ResponderExcluirEsqueci de falar, adorei teu blog. Só conheci hj.
ResponderExcluirMeu amigo adorei seu texto.... a hipocrisia é mal social....e tem muitos por aí!
ResponderExcluirA hipocrisia se transveste de cultura, ética e bons costumes... no entanto quando desnudada, percebe-se que a cultura é aquela que engana, a ética é aquela que interessa e os bons costumes são aqueles que ferram o outro!!!!!!!!
Infelizmente tem muita gente assim, e são difíceis de serem identificados, pois sabem se fazer de camaleões....
Mas amigo te digo.... mesmo dissimulados, dão vacilo e nestes vacilos os vemos desnudados.... Beijo no coração
Olá querido amigo Dieguito,
ResponderExcluirParabéns pelo post.
O texto é magnífico. Adorei a fábula.
Os hipócritas estão em toda parte, e não é tão fácil distinguí-los das demais pessoas.
Usando uma frase popular, o hipócrita "pinta o outro de negro para se mostrar mais branco", ou seja, arrasa o outro para esconder sua própria torpeza.
Eles podem enganar por um bom tempo, mas não para sempre, um dia se mostram como são na realidade. Daí, sofrerão as consequências, merecidamente.
Carinhoso e fraterno abraço,
Lilian
Muito interessante esta tua postagem, Diego. Acho difícil que alguém não tenha tido contato coma hipocrisia humana uma vez na vida.
ResponderExcluirPenso duas coisas em relação a isso:
A primeira é que, como o hipócrita se baseia em inverdades e simulações, uma hora se atrapalha e se revela. Por melhor que alguém seja na arte da dissimulação, o tempo é o maior inimigo. Acabará acontecendo alguma discrepãncia entre discurso e atitude ou a pessoa acabará encontrando alguém mais observador e pronto: a máscara cai.
Segundo, a medida que vamos conhecendo mais a natureza humana, descobrimos como nos defender dessas coisas. Aprendemos a ler nas entrelinhas, a perceber energias diferentes, a reconhecer as verdadeiras intenções por trás das posturas aparentemente sinceras dos nossos semelhantes. Os sinais estão todos lá, basta ter olhos para ver.
E quer saber? Acho triste! Os hipócritas criam para si um mundo de falsidade, onde nenhum afeto sincero pode florescer. Depois que a máscara cai só resta a solidão.
Excelente post para reflexão, amigo!
Adorei!
Abs
Denize
A hipocrisia acaba se tornando um mal moral e um vício, assumindo assim a verdadeira identidade da pessoa que geralmente age de modo hipócrita.
ResponderExcluirEscritura Viva
ÒTIMO!!! SEM COMENTÁRIOS...UM ABÇ
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