"Renato Janine Ribeiro organizou em 1988 uma coletânea de ensaios sobre Don Juan, que foram reunidos numa obra que se chama: "A SEDUÇÃO E SUAS MÁSCARAS".
Trago aqui, alguns extratos do seu artigo, "A POLÍTICA DE DON JUAN" da forma mais resumida que me foi possível.
Casanova é personagem histórico. Andarilho de classe, o cavaleiro de Seingalt (título que deve ao rei de França), apaixona-se, possui a amada e depois volta seu interesse para outra - sem, porém, perder o gosto pela anterior, sem lhe querer mal algum.
Isto se prende a uma auto-educação sentimental que começa quando, adolescente, Casanova passa uma temporada em Pasiano di Pordenone, no Friuli; conhece então Lúcia, de 14 anos, filha do caseiro, que - como narra - vem todo dia brincar, inocente com ele, na cama. Mas, por respeito a ela, por recear desonrá-la, ele se abstém de possuí-la: mas poucos meses depois fica sabendo que um criado da propriedade, "patife", a seduziu, engravidou, e acabou lançando-a na prostituição.
Assim, Casanova condena, em nome da prudência, as boas intenções, a moral da castidade.
Casanova não critica apenas a vanidade de querer decidir, num mundo feito de imprevistos, a tolice de querer governar uma vida que, para o viajante, aventureiro, é por definição aleatória.
A descoberta que faz é mais precisa; induz, justamente, não a entrega ao acaso, mas a formulação de um "sistema", de uma "condução prudente":
..."por que conter o desejo que nos arrebata? Se há delicadeza no cortejar, por que se abster do sexo em nome de preconceitos vãos, que apenas farão mal a todos, ao homem e à mulher igualmente frustrados"?
Don Juan age de outro modo. É uma fantasia corrente, por sinal, atribuir-lhe realidade.
Ora, Don Juan jamais quer amar, ao contrário de Casanova. Nunca o vemos apaixonado. Na brilhante invenção de Lorenzo da Ponte, ele arrola suas conquistas num catálogo, que por sinal, depois será ordenado segundo a condição social dos homens de quem roubou as mulheres. Aliás, a própria posse é de certa forma duvidosa. Ele falha com Donna Anna, de Donna Elvira se desinteressa, a criada desta ele não chega a conquistar, nem Zerlina.
..."porque a Don Juan pouco importa o gozo físico, sexual, o que conta é a vitória sobre a alma, a entrega a ele do desejo. Sensual ele é, e muito, mas o sexual de Don Juan é governado pela honra"...
Mas a honra de Don Juan, deve-se apenas, insistentemente, a si mesmo. Ele a consegue graças as suas conquistas. Porque há um roteiro segundo o qual ele as efetua.A prática de humilhar o adversário tirando-lhe a mulher, Don Juan a leva ao extremo. Cada mulher (ou homem?) que ele desonra aumenta os seus títulos. Acresce o seu demonismo.
O demonismo em Don Juan, é uma categoria ética e política. Ética, porque ele mente sem a menor vergonha quanto ao que aparece como mais elevado e nobre na relação entre seres humanos: nas questões de amor, que mais confiança, absoluta mesmo, exigem.
Don Juan, nas mais famosas versões, de Molière e Mozart, termina agarrado pelo demônio. Ele visa ao poder em suas relações (aparentemente) amorosas: sacrificar as mulheres à sua glória, pela glória de dominar os homens. Os valores morais perdem-se em favor dessa meta suprema, a política ocupando o lugar dos afetos.
Temos, de qualquer forma, entre Don Juan e Casanova, uma diferença de atitudes no tocante à conquista e ao gozo.
O de Casanova é, sobretudo cauteloso. A cada passo de sua carreira esse homem, que quer brilhar (e não acumular dinheiro: sua prudência não é burguesa; quer dinheiro para gastar, não para ter), monta o seu uso dos prazeres: como tê-los em maior quantidade, como evitar riscos - doença venérea, aborrecimentos. Aliás, está mais empenhado em esquivar à doença venérea, que lhe fará mal, do que em evitar filhos, que ficarão para a mulher. Daí também que não conteste a relogião e a política - embora tenha passado tempos na cadeia dos Piombi, e durante muito tempo não pudesse retornar à Veneza.Já Don Juan, em sua carreira, em sua corrida (pois o tempo é rápido: mais dez, só esta noite), traça um destino que escapa ao humano, e por isto, não tem o que fazer com a prudência, a medida, as precauções. A hybris o condena, o fogo traga o fogoso.
Don Juan escapa ao humano, mas também, já de início, por seu nascimento: personagem sem existência real ou histórica.
Porém, e este talvez seja o ponto a realçar, não cessa a pergunta sobre sua realidade histórica. Constantemente, em seu caso, a vida parece imitar a arte; essa figura literária nos induz a ver imitações, a decifrar condutas mediante a ferramenta do mito, que nós, espectadores do social, impomos como rótulo a alguns.
Resta perguntar, somente, se durará muito esta experiência, esta relação com o ficcional, que é um dos alicerces para Don Juan. Outro alicerce, aliás, é que ele parece permitir a compreensão de comportamentos e atitudes, que vemos e temos; parece: porque os Don Juans de hoje dificilmente terão a idéia de honra, o demonismo, que fez fugurarem os do século XVll e XVlll.
As experiências que nos vinculam a Don Juan são, assim, tanto a psicológica quanto a literária, datadas em seu início, e - quem sabe? - talvez no seu fim; mas por quanto tempo elas ainda viverão, não sabemos, - ainda mais porque o nome fica, o seu fascínio igualmente, depois que se esvaneceram as condições de sua criação e definição."
Fonte: Espaço da Rita
INFELIZMENTE O MUNDO ESTÁ CHEIO DE DON JUANS....
ResponderExcluirMAS A CERTO PONTO NOS VEM UMA DÚVIDA, E AS MULHERES PREFEREM UM DON JUAN, DESPROVIDO DE INTERESSES MAIORES, OU UM CASANOVA QUE NÃO DESCANSAR ATÉ LEVA-LA AO ALTAR?
NÃO SEI NÃO, AS MULHERES ESTÃO TÃO DIFERENTES NÉ?
Ta ai, uma boa explicação Diego, gostei interessante.
ResponderExcluirA paz
Grandes diferenças...deveria tambpem falar das mulheres por eles envolvidas...e seus motivos para a entrega, ou recusa....grande post.bjs
ResponderExcluirÉ uma explicação extraordinária! Gostei mesmo. Não sei qual dos dois prefiro. Talvez nenhum! No fundo são ambos pouco originais na sedução.
ResponderExcluirGrande abraço
Luísa
Entre o gozo e a conquista ... bem, na verdade a dúvida não é assim tão cruel, um é o marketing e outro é a ação. Sei lá, ou não.
ResponderExcluirDon Juan e Casanova incríveis na arte de conquistar e isso atiça as mulheres, mas, no fundo, o que elas querem mesmo é só o charme deles num homem comum. Simples assim.
ResponderExcluirMuito bem explicado, gostei de ler o post, beijo.
É Diego vivendo e aprendendo, é muito grande o abismo que separa essas duas condições e elas... Dificilmente saberão ao certo qual escolher.
ResponderExcluirAbraços forte
Diego, eu, claro, conhecia historias de cada, mas nunca analisei os dois assim separadamente e o que representaram para a sociedade. Don Juan é o sedutor, assim o vejo. Sentaria (ficticiamente) ao lado dele para ver do que seria capaz, ouviria e observaria. Bom para poesias...
ResponderExcluir